Fronteiras do Inferno (1959), por Eduardo Haak

Luigi Picchi, o primeiro ator propriamente khouriano, predador, masculinidade tóxica, italiano casca grossa demais para encarnar algum futuro Marcelo, comanda uma mina de diamantes no interior do Mato Grosso. Comanda como manda o figurino – semiescraviza os garimpeiros na base de dívidas contraídas com itens de primeira necessidade, que são vendidos monopolisticamente que ele. Essas dívidas, claro, nunca poderão ser pagas, porque Picchi compra os diamantes extraídos da mina a preço vil. Fugir não é uma opção para os garimpeiros – além do regime de terror imposto por Picchi (repressão, castigos corporais, execuções sumárias, etc.), quase todos são criminosos foragidos da justiça e o interior do Mato Grosso em 1959 oferece alguma possibilidade de eles permanecerem em lugar ignorado e não sabido.

Um forasteiro, Paul (Hélio Souto), aparece no lugar num jipe, alegando estar procurando o caminho para a Bolívia. É abordado por um dos garimpeiros, que tem um plano de fuga para ele e a filha (e um diamante de alta quilatagem que ele encontrou e pretende desviar). Paul diz que topa ajudá-lo e pergunta onde pode encontrar gasolina. Para na vila e é interpelado por Picchi e seus capangas, que espancam o garimpeiro até a morte (desconfiam do diamante desviado) e tiram uma peça do motor do jipe, colocando Paul virtualmente na posição de refém. Eles querem saber o real propósito do forasteiro, algo que eles não vêm a saber. Na verdade Paul tem uma razão muito pessoal para ter ido àquele lugar, razão essa que é revelada no final do filme, momento em que os maus (Picchi, capangas, etc.) se entredevoram e destroem-se e os bons finalmente conseguem escapar do inferno.

Quem define assim aquele lugar – inferno – é a cafetina (Lola Brah) que tem sua casa de entretenimento ali no garimpo. Lola diz a Paul que já teve casas em locais melhores – Paris, etc. –, mas que as pessoas, onde quer que se esteja, são sempre as mesmas, igualmente ruins. O bordel tem os tipos pitorescos de sempre, com destaque para um padre que toca violão para entreter os frequentadores, geralmente com a Bíblia apoiada no instrumento, a qual lê enquanto toca. A filha do garimpeiro morto disse a Paul (com quem acaba se envolvendo romanticamente) que a única pessoa confiável naquela vila era a tal cafetina. Aliás, as mulheres se destacam no filme – por observarem e deduzirem melhor do que os homens (aqueles, pelo menos), quando o momento apropriado chega protagonizam os atos decisivos que acabam levando o garimpo ao colapso.

Walter Hugo Khouri se sai muito bem nesse que foi o terceiro filme dirigido por ele. Tirando alguns momentos em que pequenas inverossimilhanças ameaçam a credibilidade da narrativa (por exemplo, Picchi e os capangas não procuram direito o tal diamante desviado, o que seria relativamente fácil de fazer), a história é envolvente, dinâmica, coesa. O elenco, no geral, é bom. Fronteiras do inferno supera bastante o filme anterior de Khouri, Estranho encontro, e creio que se equivalha em termos de qualidade ao filme posterior, Na garganta do diabo, que conta a história de um grupo de desertores da Guerra do Paraguai que vivenciam as agruras da lei da selva, lato e strictu sensu. Aliás, a semelhança entre os dois filmes não se limita apenas à qualidade. Ambos mostram o mundo como um inferno do qual as chances de escapatória sempre são mínimas (a presença de diabo e inferno nos títulos não é casual). Ainda que não tenha aquele estilo que reconhecemos como estilo do Walter Hugo Khouri, Fronteiras do inferno é profundamente khouriano em seu tema, desdobramentos e conclusões.


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