1.Nos anos 1970, Walter Hugo Khouri dividia sua carreira em duas fases: a que ia até 1963, pré-Noite Vazia, e a seguinte, que marcava o início do "seu verdadeiro cinema", como repetiu em inúmeras entrevistas. Antes, para ele, tudo era uma certa precariedade, aprendizado em que esboçava o estilo, a segurança e a autoridade que o marcariam no futuro.
Não é possível discordarmos da análise de Khouri a respeito da própria obra. Noite Vazia mudou para melhor tanto a vida do diretor quanto o destino do cinema brasileiro. Era a resposta paulista (de um tempo em que ser paulista era ser provinciano) para os caminhos autoindulgentes, folclóricos, demagógicos em que a cultura nacional mergulhava. No final de setembro de 1964, poucos meses após o golpe militar, a estreia de Noite Vazia no Cine Ipiranga (no Rio de Janeiro o filme só estrearia comercialmente em 1965) parecia reafirmar a possibilidade de um outro Brasil.
Notem que este Brasil – moderno, urbano e sofisticado – sempre pulsou. Estava nas livrarias cariocas da primeira metade do século XX, nos encontros e desencontros da sociedade paulistana onde o jovem Khouri se formou. Mas, diante das tendências que se organizavam no Brasil e no cinema nacional dos anos 1960, Noite Vazia emplacou como novidade certa na hora certa.
Por não ter rezado as cartilhas vigentes, WHK foi e ainda é muito atacado. Entendam que o “preconceito” e o “esquecimento” a que Khouri é submetido nasceram exatamente no momento em que ele surgiu como dissonante. O Khouri de Na garganta do diabo (1960) e A ilha (1962) era olhado com certa complacência e curiosidade, um seguidor das ideias do cinema industrial paulista (Vera Cruz, Maristela) que não ofereciam mais qualquer perigo ao abrangente projeto intelectual do Cinema Novo.2.A partir da afirmação autoral de Noite Vazia, quase tudo o que se escreveu sobre Khouri parece um texto único, repetido com variações de estilo e competência. Tal qual as nuvens de palavras dos algoritmos, o nome de Walter Hugo Khouri surgirá em meio aos adjetivos “burguês”, “erótico”, “alienado”, “polêmico” e dos nomes próprios “Ingmar Bergman”, “Antonioni”, “Xuxa”, “Boca do Lixo”. Caso seja esperto, o motor de busca pode acrescentar camadas menores de cinema japonês, psicologia e arte moderna.Evidente que todas essas influências estão presentes em Khouri, mas não definem Khouri. O que torna WHK um cineasta singular é justamente a dificuldade crescente de compreensão da sua obra. Quanto mais o tempo passa, mais a fortuna khouriana parece um enigma. E assim se torna mais fácil repetir os velhos preconceitos, as fórmulas prontas de entendimento que predominam na historiografia brasileira.Se falarmos do Khouri a partir de Palácio dos Anjos, quando inaugura, em uma explosão de cores, os anos 1970, a questão se complica ainda mais. Até Eros (1980) ele dirigiu nove filmes, praticamente um por ano, e, diferente do que afirma a maioria dos críticos, não existem pontes significativas entre um filme e outro.Sabemos que esta é uma ideia polêmica, refutada até pelo próprio diretor, que fez ginásticas subjetivas para observar pontos de união e sutura na própria obra. O milionário Marcelo, a partir de O prisioneiro do sexo (1979), encara às vezes uma continuidade tediosa, porém Marcelo já existia antes (foi, por exemplo, o jovem de O Último Êxtase) e continuou a existir posteriormente em outras encarnações, para se diluir na impotência do menino Marcelinho em Paixão Perdida (1997). É inteligente enxergarmos nos múltiplos Marcelos – e nas múltiplas Berenices, Anas– inquietações e sentidos diversos.3.Por ser tão difícil e raro pensar sobre Walter Hugo Khouri, o corajoso trabalho do escritor Eduardo Haak precisa ser lido com atenção. Em nenhum momento Eduardo se coloca como crítico ou estudioso de cinema, o que tira de suas costas um peso razoável e devolve uma tonelada de responsabilidades.Haak é um cronista, criativo e exuberante, que coloca seu estilo, suas vivências para conversarem com os filmes. Corre o risco de soar idiossincrático, preconceituoso ou condescendente. Como não se importa com nada disso, é somente uma leitura instigante. E utilizamos aqui a palavra “somente” com uma ponta de ironia às ardentes patrulhas de opinião do século XXI.Outro aspecto que diferencia o trabalho do Eduardo é a absoluta desconexão com tudo o que já foi escrito sobre Khouri no Brasil. Cá entre nós, de nada adiantaria um formato original se repetisse velhos estigmas. E se, à primeira vista, alguns textos aparentarem digressão, pedimos aos leitores que se acostumem com o fato de que Khouri está fora da caixinha, livre, leve e solto, a provocar mil evocações na mente de Haak.4.Walter Hugo Khouri sempre foi, entre vários, o principal denominador comum de nossa amizade com o autor. Gostar de Khouri, no Brasil de 2023, parece uma especialidade tão antiga que poderíamos estar falando de outros anos 20, os roaring twenties, cem anos atrás.É possível que a desmemória a respeito de WHK escale tanto, que a despeito de uma obra monumental, ele seja praticamente apagado da história. Outro grande diretor, o argentino-brasileiro Carlos Hugo Christensen, atravessou processo parecido e duvidamos que a maioria dos estudantes de cinema já tenha ouvido falar de Christensen. Claro que uma biografia sincera e bem documentada seria ressuscitadora, porém despertar curiosidade sobre os filmes é igualmente importante. E, no caso de Khouri, estão quase todos à mão, basta uma leve busca pela Internet.Encerramos com uma proposta ao leitor: veja os filmes, depois leia, aqui, as crônicas que Eduardo Haak dedica a cada um deles. Curtindo o diretor e o escritor, acredite que tudo pode ser revisto, reescrito e mudado.Diferente de outros artistas, Walter Hugo Khouri nunca ofereceu respostas prontas. Eduardo Haak colocou ainda mais dúvidas nesses questionamentos. Que prossigam assim.
Posfácio: TEM COISAS SOBRE WALTER HUGO KHOURI E EDUARDO HAAK QUE ACHO JUSTO VOCÊ SABER, por Andrea Ormond/ Carlos Ormond
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